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16 Aug 2021

Vale a pena investir em empresas de dividendos?


Investir em empresas que são boas pagadoras de dividendos é uma estratégia particularmente popular no mercado brasileiro. Afinal, quem é que não gosta de comprar boas empresas e ver um dinheirinho pingando na conta, mês após mês?

Para muitos investidores, inclusive, essa é uma das primeiras formas de contato com o mercado de renda variável, com um paralelo interessante com a renda fixa. Ora, se um título de renda fixa oferece 4% ao ano e uma empresa listada na bolsa paga dividendos equivalentes a 6% ao ano, é fácil para o investidor perceber que terá uma expectativa de remuneração maior ao investir o seu capital em renda variável (acompanhado, evidentemente, do maior risco associado a essa melhor remuneração).

Embora seja uma narrativa bastante convincente à primeira vista, um aspecto curioso dessa estratégia de investir em dividendos é que ela não faz muito sentido do ponto de vista teórico. Desde os trabalhos de Modigliani Miller (1958 e 1963), sabe-se que o valor de qualquer empresa é independente à sua estrutura de capital. Dito de outra maneira: a forma de remuneração dos acionistas e credores é irrelevante e não afeta o valor de mercado de uma companhia.

O acionista poderia ser igualmente remunerado mediante o pagamento de dividendos, recompra de ações, ou outras formas de bonificação. A empresa poderia, inclusive, não fazer distribuição alguma e optar por reinvestir integralmente o capital. Mesmo nesse caso extremo, o acionista manteria o mesmo nível remuneração, dessa vez pela valorização nominal do preço de suas ações.

Se do ponto de vista teórico não há um bom motivo para investir em empresas só pelo fato de pagarem dividendos, também do ponto de vista prático há diversos exemplos que contradizem essa estratégia. Empresas de tecnologia, como Amazon (AMZN), Magazine Luiza (MGLU3), ou Mercado Livre (MELI), dentre tantas outras, tem por política *não* pagar dividendo algum e nem por isso deixaram de ser excelentes opções para o investidor, sobretudo nos últimos anos.

Será então que a estratégia de investir em empresas pagadoras de dividendos é apenas um mito de mercado? Uma narrativa para gerar interesse no mercado financeiro, mas que na prática não ajuda na seleção de bons investimentos? Ou será que há de fato alguma informação importante no fato de empresas pagarem ou não dividendos, que pode ser a favor do investidor?

No post de hoje, vamos a fundo nessa questão, utilizando a abordagem de factor investing da DAO Capital. Queremos descobrir, afinal, se investir em dividendos é estratégia ou mito no mercado financeiro.

Montando a tese: boas pagadoras de dividendos vs. não-pagadoras

Se investir em dividendos for realmente uma boa estratégia de investimentos, então é possível medir sua eficácia utilizando a abordagem de factor investing, com a construção de um “fator dividendos”, que deveria apresentar retornos consistentemente positivos com o passar do tempo.

Já abordamos detalhadamente o que são fatores e como construí-los na prática (aqui e aqui). De forma muito resumida, em factor investing, a investigação de um novo fator de investimentos consiste em (i) formular uma hipótese, (ii) construir diversas carteiras de investimento, cada uma com um nível diferente de exposição a essa hipótese e (iii) comparar o resultado e o comportamento dessas diversas carteiras.

No nosso caso, então, queremos testar se investir em dividendos é uma boa ideia (hipótese). Para isso, construímos 4 portfólios ao longo do tempo em que a única caracteristica determinante é o dividendo oferecido para o acionista, ajustado pelo preço da ação (também conhecido como dividend yield). Assim, no portfólio Q1 estão sempre os 25% de empresas com os menores dividend yield da bolsa brasileira; no portfólio Q4 estão sempre os 25% que mais pagam dividendos. E os portfólios Q2 e Q3 são os portfólios intermediários, com base no mesmo critério de dividend yield.

Depois da construção dos diferentes portfólios, a interpretação dos resultados é bastante simples: (i) se investir em empresas pagadoras de dividendos for de fato uma boa estratégia, então nós esperamos que o portfólio Q4 tenha um resultado consistementemente superior aos demais (em especial, superior ao Q1); por outro lado, (ii) se a estratégia for, na verdade um mito, todos os portfólios deveriam apresentar retornos muito parecidos entre si, dado que o dividend yield não seria um bom critério de seleção de empresas.

Pois bem, para o universo de ações brasileiras, no horizonte de jan-2007 a jun-2021 o resultado dos portfólios teria sido o seguinte:



Uma diferença impressionante! O portfólio Q4 (boas pagadoras de dividendos) tem um resultado muito superior ao portfólio Q1 (não-pagadoras), enquanto que os portfólios intermediários Q2-Q3 tiveram resultados, também, intermediários. Apenas como uma comparação, nesse período de 2007-2021 o Ibovespa teve um retorno próximo a 5% ao ano, enquanto que a estratégia de comprar empresas pagadoras de dividendos teria dado um retorno médio de 25% ao ano.

É assim tão simples?

Olhando a evolução dos quatro diferentes portfólios fica bastante evidente que os maiores pagadores de dividendos remuneraram muito bem o investidor brasileiro nos últimos 13 anos. Podemos encerrar a pesquisa por aqui, então, e selecionar boas empresas apenas pelo seu dividend yield? Infelizmente – e como quase toda estratégia de investimento – a realidade é bem mais complicada do que um backtest.

Vamos então olhar para o retorno observado do fator dividendos, que é simplesmente a diferença acumulada dos retornos do portfólio Q4 e Q1 nesse nosso exemplo:



Por esse segundo gráfico, conseguimos extrair novas informações sobre o prêmio de dividendos (comprar empresas de alto dividend yield (Q4) e vender empresas de baixo dividend yield (Q1)):

  1. entre 2010 a 2016, o prêmio de dividendos foi consistentemente positivo e a estratégia, vencedora;

  2. de junho de 2016 a fevereiro de 2017 (pós-impeachment) o investidor que tivesse uma exposição ao prêmio de dividendos teria um primeiro grande susto, com uma queda de 30% no seu patrimônio, mas que recuperaria até novas máximas em 2018; e

  3. de setembro-2018 até agora, a estratégia teria apresentado resultados consistemente negativos, com uma queda de 40% acumulada e devolvendo todo o ganho dos últimos 5 anos.

Pela ótica do prêmio de risco, então, duas novas informações importantes para o investidor: (i) selecionar empresas pelo dividend yield tem perdido poder de explicação nos últimos anos e (ii) a estratégia parece ir particularmente mal em períodos de bull market, em que os investidores preferem empresas de crescimento (e que não pagam dividendos).

Mas há ainda uma infinidade de análises a fazer para se construir uma opinião realmente aprofundada sobre a estratégia de dividendos. Apenas para citar alguns exemplos: nesse exercício não olhamos a exposição setorial (se comprar dividendos faz o investidor ficar excessivamente investido em um ou outro setor) e também não olhamos os comportamentos de risco (distribuição de retornos, correlação, previsibilidade, situações de stress, etc.).

Além disso, nesse exercício, a estratégia foi montada com portfólios diários. Não olhamos qual seria o nível de giro das carteiras ao executar essa estratégia, nem se seria factível implementá-la na prática; tampouco avaliamos o impacto dos custos de transação e de participação no mercado. Também não olhamos se a estratégia mantém o seu poder de explicação com períodos de rebalanceamento mais longos (5 dias, 10 dias, 1 mês, 3 meses, etc.), ou se funcionaria apenas se o investidor atualizasse sua carteira todos os dias, religiosamente.

Todas essas questões são absolutamente cruciais para o investidor implementar uma estratégia de dividendos, mas que obviamente vão muito além do escopo desse post. Na DAO Capital, essa bateria de testes de comportamento e retorno é o dia a dia do nosso time de pesquisa e gestão. Não só precisamos conhecer profundamente o comportamento de cada nova estratégia em potencial, como examinamos minuciosamente também como seria a interação desse novo prêmio com os demais que já estão incorporados no nosso processo de investimento.

Mito ou estratégia?

Mas, afinal, vale ou não vale comprar empresas pagadoras de dividendos? Como mencionamos acima, ainda faltam várias pesquisas fundamentais para uma opinião aprofundada, mas pelos resultados preliminares há bons indícios que selecionar empresas pelo seu dividend yield pode ser, sim, uma boa estratégia para o investidor.

Vimos também que, como toda estratégia, não é um “plano infalível” para ganhar dinheiro, havendo o momento e local certos para o investidor adotar uma postura de caçador de dividendos.

Em verdade, a característica dividend yield que testamos aqui faz parte de um conjunto mais amplo de métricas que podem funcionar muito bem como uma proxy do fator Valor (estratégia de comprar empresas “baratas” e vender empresas “caras”), em linha com a filosofia do Value Investing.

Sabemos que há períodos em que o mercado remunera muito bem os investidores que buscam as barganhas da bolsa, mas há também aqueles momentos em que a estratégia de Valor tem um retorno inferior à média de mercado (como foi o caso dos últimos 10 anos do mercado americano, p.ex.).

Para o investidor, então, dividend yield pode ser uma ferramenta importante para ajudar na seleção de boas empresas, desde que essa seja uma estratégia dentro de um conjunto que se complemente. Por exemplo, combinando métricas de Valor com métricas de Mometum. Na DAO Capital, nossos modelos combinam os fatores de Valor, Momentum, Qualidade e Volatilidade, dando preferência sempre àquela combinação que melhor é capaz de selecionar boas empresas nos mais diferentes momentos de mercado.


Caio Castro